quinta-feira, 27 de maio de 2010

A história de Marcos

Na tarde do dia 10 de maio de 2010, tivemos o prazer de conhecer a história de mais um morador de rua: Marcos da Silva Campos, um menino de 16 anos que passa por muitas dificuldades. Nasceu e cresceu na cidade de Iaras, em Avaré, cidade do interior paulista e apesar de morar em São Paulo há alguns anos sabe exatamente onde fica e como chegar a sua cidade natal.
Maria, a mãe de Marcos, tomou veneno para tentar abortá-lo quando estava grávida; sem sucesso, o entregou para seus avós, por quem ele foi criado, lá ficou boa parte de sua vida. A avó era de quem ele mais gostava, ele diz que ela era muito amorosa e cuidava dele praticamente sozinha, pois o avô, Manoel, era muito bravo, não deixava nem ele assistir televisão, pois era crente e achava que faria mal. A avó acabou por falecer com câncer e após isso seu avô o entregou a Edmilson Sicura, dono da Rádio Cidade, no Paraná.
Ficou pouco tempo lá, por motivos a qual Marcos não falou, seu avô foi buscá-lo e voltaram para Avaré. Pela primeira vez, passou a morar com sua verdadeira família – seus irmãos, mãe e padrasto. Mas essa também foi uma moradia temporária. O padrasto de Marcos era violento e batia em todos os familiares.
Maria decidiu que seu filho viveria com o tio, na capital de São Paulo e o trouxe de carona. Ao ser perguntando qual a profissão exercia sua mãe, o garoto diz que além de catar lixo, imagina que ela se prostitua. "Tomava umas carona na BR, para conseguir dinheiro, devia se prostituir, né?", ele diz e também lembra que ela falava com alguns homens que ficavam no posto de gasolina perto de sua casa.
Marcos tem dois irmãos e nenhum deles mora com Maria; sabe que um de seus irmãos também mora em São Paulo, com outro tio, a outra irmã ele não sabe nem a cidade que reside. O menino nunca conheceu o pai – nem tem curiosidade em fazê-lo - mas já ouviu histórias que ele seria um taxista da capital. O menino se dizia feliz na casa de seu tio, mas decidiu deixar casa e escola para ir morar nas ruas. Mas por que, Marcos? “Tem palavra que é pior que um tapa”, responde. Então foi morar nos arredores da Av. Paulista.
Já mora na rua há dois anos e para sobreviver pede dinheiro ou faz favores para pessoas da região. Costuma ficar perto de restaurantes e diz que todo dia consegue comer alguma coisa. Já roubou, mas não costuma fazer isso. É usuário de crack, maconha, tiner e cola. Para tomar banho ele vai para a Casa amarela, no centro da cidade, ou para o Projeto Retorno, ou ainda para a Tenda, mas ele diz que é a última preferência visto que lá é sujo.
É uma pessoa sozinha, não convive com outros moradores de rua e já brigou com vários, porque devido a sua idade, os mais velhos acham que são donos da rua. Também não tem namorada e nem pensa em namorar, pois tem medo de engravidar alguém; não pensa em ter filhos porque não quer que eles tenham a vida que ele tem hoje.
Já teve três relações sexuais, uma delas sendo com uma moradora de rua, não usou preservativo, pois diz que na época era muito novo e segundo ele, as pessoas novas não pegam doença, nem engravidam. Só estudou até a sexta série, talvez seja por isso que não tem informações suficientes para julgar esse tipo de fato, o que é no mínimo preocupante.
Após aproximadamente uma hora de conversa com esse menino cheio de simpatia, decidimos dar fim a entrevista, estava escurecendo e a chuva estava chegando. Quando nos despedimos demos pouco dinheiro para ele comer, ele comemorou com os braços para o alto, ficou tão feliz que acatou nosso pedido para que não comprasse drogas, e jurou que iria comprar um suco.
Porém, durante a entrevista, não foi felicidade o tempo todo, quando perguntávamos da mãe, especialmente, ele mostrava um olhar claramente triste, desanimado. Marcos tem raiva da mãe, disse que a perdoaria, mas não voltaria para a casa dela nunca. Tem apenas o desejo de voltar para sua cidade no interior, e mostra até preferência pelas ruas de lá.
Tentamos contato com o dono da Rádio Cidade, para saber um pouco mais da história toda, não obtivemos retorno. Marcos também não mostrou interesse quando nos oferecemos para procurar seu irmão ou tio.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

A história de Claudionor

É uma terça-feira em São Paulo, véspera de feriado e faz um calor forte. Perguntei a um homem se ele queria me conceber uma entrevista e ele negou. Saio à procura de um possível participante para a minha matéria. Perguntei a um policial onde poderia encontrar alguém com o perfil que desejava e ele me alertou “Cuidado, são todos bandidos”.
Depois de algum tempo andando pela região da avenida Paulista, achei um grupo de seis moradores de rua e quatro cachorros. Finalmente possíveis candidatos a entrevista. Me aproximei e o primeiro a falar comigo foi Claudionor Luis Sabino, que topou participar, mas com uma condição “ No final você traz uma coca pra nois”.Topei. E assim começou nossa entrevista.
Claudionor tem 34 anos, e seus companheiros me dizem que seu apelido é Johny Mcfly. Ele nasceu na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte da cidade e agora mora na praça Alexandre de Gusmão, não tem mais casa.
Ele me conta que a primeira vez que ele saiu de casa tinha dez anos. Alguns amigos o contaram sobre a Sé e que para chegar até lá era preciso pegar o metrô, Claudionor não sabia o que era metrô e nem onde ficava a Sé. Por pura curiosidade, topou ir com os colegas até lá. Quando chegou, ficou encantado com a fonte na frente da estação e não teve duvida, tirou e camisa e caiu na água.Ficou tarde e quando ele deu por si, os amigos que o tinham levado até ali tinham ido embora e ele estava sozinho e sem saber como voltar para casa.
Claudionor estava na praça da Sé quando um policial perguntou a ele porque ele estava ali, onde ele morava, onde estavam seus pais. Ele explicou a historia para o policial e esse o encaminhou para a Febem (hoje em dia Fundação Casa) para que passasse a noite.
No dia seguinte falou com uma assistente social que o encaminhou de volta para a casa de seus pais. Porém depois da primeira vez fora de casa, ele não se aquietou mais dentro dela. Fugiu e voltou pra Sé, ficou por lá um tempo até que foi preso de novo na Febem. Foi enquadrado por vadiagem.
Quando foi solto, Claudionor voltou para a Sé segundo o próprio “começou a descobrir as coisa, tudo o que eu aprendi foi na rua”, entre essas coisas foram as drogas. Johny Mcfly começou com cigarro e cola, não demorou para que passasse a usar maconha, benzina e a cheirar esmalte de unha e cocaína. Ele diz que só não usou crack porque nos anos 80 ele ainda não existia por aqui.
Depois que Johny virou usuário de drogas começou a curtir a vida e as aventuras dela. Roubava relógio e vendia para sustentar o vício. Nessa mesma época Claudionor conheceu o amigo Wellington que estão juntos na rua até hoje. Quando comecei a entrevista, Wellington foi para longe e se deitou, não estava interessado na minha matéria.
Claudionor conta que o pai e o irmão tentaram ir buscá-lo na rua, mas que não adiantava. Que uma vez, ao perceber que não conseguiria levar o filho pra casa o pai deu uma surra nele em plena Sé e Claudionor completa “Foi a ultima vez que ele botou a mão em mim”.
Logo que chegou a maioridade Claudionor foi preso. Segundo ele, foram três passagens pela cadeia, todas pelo mesmo motivo, artigo 357: assalto a mão armada. Da ultima vez em que foi preso, foi condenado a oito anos, ficou somente quatro na prisão de Tremembé, no interior de São Paulo.
Enquanto me contava de suas façanhas no crime e de como foi preso pela ultima vez, Claudionor tirou da mochila um documento e me mostrou. Era seu alvará de soltura provisória assinado em 10/03/2010, ele está aguardando julgamento em liberdade.
Ao sair da prisão, voltou para a Sé e outros companheiros o disseram que Wellington também estava por lá. Claudionor e Wellington se reencontraram e voltaram a morar juntos na rua.
Os seis homens que moram na praça Alexandre de Gusmão dividem espaço com quatro cachorros enormes, alguns de coleira e todos castrados e muito bem cuidados. Claudionor me conta que as pessoas dão cachorros pra eles porque não agüentam cuidar, e que eles arrecadam dinheiro pra dar comida, banho e levá-los ao veterinário.
Para conseguir dinheiro, alguns cuidam de carros estacionado e outros pedem esmola. Geralmente eles vão a uma Casa de convivência e pagam para poderem tomar um banho, lá eles assistem a DVDs, ganham roupas limpas e assim podem cuidar um pouco da aparência.
Minha entrevista é interrompida por uma gritaria, a travesti Pamêla que também é moradora da praça começa a insultar uma senhora que está de passagem. As duas discutem. Pamêla acusa e a senhora se defende. Mais gritaria. Silêncio. A senhora continua sua caminhada como se nada tivesse acontecido e Pamêla fica no seu canto resmungando baixinho.
Claudionor me conta que ele tem uma filha de 13 anos chamada Cláudia, ela mora com uma tia na Bela Vista, e que se ele tivesse condições iria morar com a filha. Porém a maior dificuldade para que isso aconteça é ele conseguir um emprego, pois para isso é preciso ter comprovante de residência e o fato dele ser fichado na policia também dificulta as coisas. Ele me diz que há um respeito mutuo entre os moradores de rua, mas que a policia e algumas pessoas os discriminam e tratam mal. Claudionor diz que sente que a sociedade tem medo dos moradores de rua, que houve épocas em que comerciantes contratavam matadores de aluguel para dar um fim naqueles que ficavam na porta de suas lojas.
Alguns companheiros de Claudionor se empolgam com o rumo da conversa e vem participar, eles me dizem que a má fama dos moradores de rua é culpa de meia dúzia que fazem coisas erradas, mas que por causa disso todos levam a fama. Eles me contam também que o prefeito Gilberto Kassab quer fechar os albergues e tirar os moradores de rua da região central de São Paulo.
As vizinhas passam de novo, a gritaria recomeça. Eu aviso que minha entrevista já acabou, e que vou comprar a Coca que eu tinha prometido. Claudionor me diz “Não fica assustada com isso não” referindo-se a discussão “ todo mundo aqui sabe que a Pamêla é barraqueira, aqui é sempre assim”.Como uma família, eles sabem muito sobre a personalidade um do outro.

Um pouco mais sobre o Paralelo Invísivel...



Estima-se que na cidade de São Paulo tenha cerca de 18000 moradores de ruas. Vivendo em lugares e em condições inimagináveis. Essas pessoas já fazem parte do cenário urbano. Entretanto passam despercebidos pela maioria dos cidadãos; praticamente ignorados.
São mulheres, homens, crianças e até mesmo famílias inteiras, com as mais diversas histórias de vida, em comum somente uma coisa: em algum momento todos se depararam com a falta de um lar e tiveram como única opção ir para a rua.

Nossos blogueiros sairão pelas ruas da maior cidade do Brasil não só para ouvir as histórias que essas pessoas tem para contar, como também para falar sobre todo o trabalho que muitas ONG’s realizam para tentar melhoras a vida destas pessoas.