quinta-feira, 22 de abril de 2010

A história de Claudionor

É uma terça-feira em São Paulo, véspera de feriado e faz um calor forte. Perguntei a um homem se ele queria me conceber uma entrevista e ele negou. Saio à procura de um possível participante para a minha matéria. Perguntei a um policial onde poderia encontrar alguém com o perfil que desejava e ele me alertou “Cuidado, são todos bandidos”.
Depois de algum tempo andando pela região da avenida Paulista, achei um grupo de seis moradores de rua e quatro cachorros. Finalmente possíveis candidatos a entrevista. Me aproximei e o primeiro a falar comigo foi Claudionor Luis Sabino, que topou participar, mas com uma condição “ No final você traz uma coca pra nois”.Topei. E assim começou nossa entrevista.
Claudionor tem 34 anos, e seus companheiros me dizem que seu apelido é Johny Mcfly. Ele nasceu na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte da cidade e agora mora na praça Alexandre de Gusmão, não tem mais casa.
Ele me conta que a primeira vez que ele saiu de casa tinha dez anos. Alguns amigos o contaram sobre a Sé e que para chegar até lá era preciso pegar o metrô, Claudionor não sabia o que era metrô e nem onde ficava a Sé. Por pura curiosidade, topou ir com os colegas até lá. Quando chegou, ficou encantado com a fonte na frente da estação e não teve duvida, tirou e camisa e caiu na água.Ficou tarde e quando ele deu por si, os amigos que o tinham levado até ali tinham ido embora e ele estava sozinho e sem saber como voltar para casa.
Claudionor estava na praça da Sé quando um policial perguntou a ele porque ele estava ali, onde ele morava, onde estavam seus pais. Ele explicou a historia para o policial e esse o encaminhou para a Febem (hoje em dia Fundação Casa) para que passasse a noite.
No dia seguinte falou com uma assistente social que o encaminhou de volta para a casa de seus pais. Porém depois da primeira vez fora de casa, ele não se aquietou mais dentro dela. Fugiu e voltou pra Sé, ficou por lá um tempo até que foi preso de novo na Febem. Foi enquadrado por vadiagem.
Quando foi solto, Claudionor voltou para a Sé segundo o próprio “começou a descobrir as coisa, tudo o que eu aprendi foi na rua”, entre essas coisas foram as drogas. Johny Mcfly começou com cigarro e cola, não demorou para que passasse a usar maconha, benzina e a cheirar esmalte de unha e cocaína. Ele diz que só não usou crack porque nos anos 80 ele ainda não existia por aqui.
Depois que Johny virou usuário de drogas começou a curtir a vida e as aventuras dela. Roubava relógio e vendia para sustentar o vício. Nessa mesma época Claudionor conheceu o amigo Wellington que estão juntos na rua até hoje. Quando comecei a entrevista, Wellington foi para longe e se deitou, não estava interessado na minha matéria.
Claudionor conta que o pai e o irmão tentaram ir buscá-lo na rua, mas que não adiantava. Que uma vez, ao perceber que não conseguiria levar o filho pra casa o pai deu uma surra nele em plena Sé e Claudionor completa “Foi a ultima vez que ele botou a mão em mim”.
Logo que chegou a maioridade Claudionor foi preso. Segundo ele, foram três passagens pela cadeia, todas pelo mesmo motivo, artigo 357: assalto a mão armada. Da ultima vez em que foi preso, foi condenado a oito anos, ficou somente quatro na prisão de Tremembé, no interior de São Paulo.
Enquanto me contava de suas façanhas no crime e de como foi preso pela ultima vez, Claudionor tirou da mochila um documento e me mostrou. Era seu alvará de soltura provisória assinado em 10/03/2010, ele está aguardando julgamento em liberdade.
Ao sair da prisão, voltou para a Sé e outros companheiros o disseram que Wellington também estava por lá. Claudionor e Wellington se reencontraram e voltaram a morar juntos na rua.
Os seis homens que moram na praça Alexandre de Gusmão dividem espaço com quatro cachorros enormes, alguns de coleira e todos castrados e muito bem cuidados. Claudionor me conta que as pessoas dão cachorros pra eles porque não agüentam cuidar, e que eles arrecadam dinheiro pra dar comida, banho e levá-los ao veterinário.
Para conseguir dinheiro, alguns cuidam de carros estacionado e outros pedem esmola. Geralmente eles vão a uma Casa de convivência e pagam para poderem tomar um banho, lá eles assistem a DVDs, ganham roupas limpas e assim podem cuidar um pouco da aparência.
Minha entrevista é interrompida por uma gritaria, a travesti Pamêla que também é moradora da praça começa a insultar uma senhora que está de passagem. As duas discutem. Pamêla acusa e a senhora se defende. Mais gritaria. Silêncio. A senhora continua sua caminhada como se nada tivesse acontecido e Pamêla fica no seu canto resmungando baixinho.
Claudionor me conta que ele tem uma filha de 13 anos chamada Cláudia, ela mora com uma tia na Bela Vista, e que se ele tivesse condições iria morar com a filha. Porém a maior dificuldade para que isso aconteça é ele conseguir um emprego, pois para isso é preciso ter comprovante de residência e o fato dele ser fichado na policia também dificulta as coisas. Ele me diz que há um respeito mutuo entre os moradores de rua, mas que a policia e algumas pessoas os discriminam e tratam mal. Claudionor diz que sente que a sociedade tem medo dos moradores de rua, que houve épocas em que comerciantes contratavam matadores de aluguel para dar um fim naqueles que ficavam na porta de suas lojas.
Alguns companheiros de Claudionor se empolgam com o rumo da conversa e vem participar, eles me dizem que a má fama dos moradores de rua é culpa de meia dúzia que fazem coisas erradas, mas que por causa disso todos levam a fama. Eles me contam também que o prefeito Gilberto Kassab quer fechar os albergues e tirar os moradores de rua da região central de São Paulo.
As vizinhas passam de novo, a gritaria recomeça. Eu aviso que minha entrevista já acabou, e que vou comprar a Coca que eu tinha prometido. Claudionor me diz “Não fica assustada com isso não” referindo-se a discussão “ todo mundo aqui sabe que a Pamêla é barraqueira, aqui é sempre assim”.Como uma família, eles sabem muito sobre a personalidade um do outro.

Um pouco mais sobre o Paralelo Invísivel...



Estima-se que na cidade de São Paulo tenha cerca de 18000 moradores de ruas. Vivendo em lugares e em condições inimagináveis. Essas pessoas já fazem parte do cenário urbano. Entretanto passam despercebidos pela maioria dos cidadãos; praticamente ignorados.
São mulheres, homens, crianças e até mesmo famílias inteiras, com as mais diversas histórias de vida, em comum somente uma coisa: em algum momento todos se depararam com a falta de um lar e tiveram como única opção ir para a rua.

Nossos blogueiros sairão pelas ruas da maior cidade do Brasil não só para ouvir as histórias que essas pessoas tem para contar, como também para falar sobre todo o trabalho que muitas ONG’s realizam para tentar melhoras a vida destas pessoas.